sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Meu pai me viu naquele quadro

O desenho eu comprei em uma feira de Berlim. Num desses lugares sem destaque nos guias turísticos. Na real, não sei como fui parar lá. Digo isso porque não quero que você pense que eu sou tão cool assim. Do tipo que sabe os lugares especiais onde ir nas férias. Não me ponha o rótulo de descolado. Não sou.

Esses dias meu pai foi lá em casa e me perguntou: quem fez aquela caricatura tua? Não era caricatura. Mas eu estou lá, naquele desenho, emoldurado na parede do meu quarto. Os joelhos semi-dobrados, como se eu pudesse cair a qualquer momento. As mãos no meio das pernas, demonstrando insegurança, medo, receio. Ou apenas representando aquelas raras horas em que fico sem jeito, poucos sabem, tem a ver com paixão.

A figura e seus olhos marejados, com uma lágrima que insiste em ficar por ali e nunca cai. Os olhos esbugalhados, impressionados. Não com o que vê, mas com o que sente. Porque faz tempo que não me impressiono com paisagens, museus, praias.

A última vez que uma visão me transformou faz muito tempo, mais de dez anos. Em Madri. Primeiro, as árvores secas que vi no trajeto de táxi ao centro da cidade. Depois, o Parque del Retiro. Lá, sim, foi diferente.

Me sentei, abandonado, como sempre, no fundo, estive. E observei os negros imigrantes cantando, batucando. Se não me engano, me arrepiei. Hoje, arrepios, só no cinema, com filme muito bom. E ali fiquei até o sol se pôr. Um pouco mais, anoiteceu, e ninguém me ofereceu drogas ou quis conversa. Na melhor das hipóteses, eles me viam como um deles. Na pior, simplemente me desprezavam. Tanto faz.

Me contaram esses dias que expulsaram os imigrantes de lá. Que não há sinal mais deles no parque. Nunca mais volto àquele lugar. Porque não quero que essas lembranças se tornem como um filme lindo que você vê pela segunda vez e se dá conta de que não é tão bom assim. Não quero mais esse tipo de decepção.

Insisto que não quero. Me deixe com esse deslumbramento, ao menos. Não me incomode, por favor. Quer me conhecer de verdade? Olhe aquele quadro, como o meu pai o fez e me definiu: uma caricatura. Triste, de joelhos semi-flexionados, mas que, por enquanto, ainda não caiu.

2 comentários:

Anônimo disse...

"Nunca mais volto àquele lugar. Porque não quero que essas lembranças se tornem como um filme lindo que você vê pela segunda vez e se dá conta de que não é tão bom assim. Não quero mais esse tipo de decepção."

Lindo

Di disse...

e nunca cairá!

tu é uma pessoa especial e nem sei como explicar o quanto te admiro!

Lindo o texto, tava com saudades de passar aqui.

Beijooos,
Di.